Biografia do Désiré Bonnaffoux

Désiré Bonnaffoux - 1969 Lisbonne

Biografia do Désiré Bonnaffoux

Désiré Paul BONNAFFOUX, nascido no dia 31 de Outubro de 1908 em Sal-Rei, na Ilha da Boa Vista, em Cabo Verde e falecido no dia 12 de Dezembro de 2001 em Sarcelles, em França, é um engenheiro e autor franco cabo-verdiano que foi Diretor da Salins du Midi em Cabo Verde de Janeiro de 1935 a 31 de Dezembro de 1968, Companhia baseada na Pedra de Lume, na Ilha do Sal em Cabo Verde.

Dedicou a sua vida à exploração do sal com paixão e por um investimento sem falha em favor dos trabalhadores, mas também para o povo cabo-verdiano e a evolução de Cabo Verde. Embaixador de Coração dessa jóia de Arquipélago baseado no largo do Senegal, no coração do Oceano Atlântico, antiga colónia portuguesa, ele levará as suas pesquisas até às altas esferas do mundo inteiro, a fim de dar a conhecer essa cultura encantadora pelas suas músicas, a sua história, a sua arquitetura, a sua cultura, a sua língua, os seus talentosos artistas, eruditos, autores, poetas, músicos…, a sua economia, as suas atividades lucrativas…

Pesquisador e autor emérito, ofereceu e pôs à disposição as suas pesquisas graciosamente às universidades, bibliotecas, governos, autores e pesquisadores, contribuindo ativamente para o conhecimento e o reconhecimento de Cabo Verde e do povo cabo-verdiano.

O pai, Jules David Bonnaffoux, nasceu em Salettes, comuna de Saint-Sauveur, em Hautes-Alpes, em França, no dia 26 de Junho de 1876 e faleceu em Santa Maria, Ilha do Sal, Cabo Verde, no dia 29 de Julho de 1968. Casou-se no dia 16 de Outubro de 1907 com Maria de Conceição Tavares de Almeida (1885-1970), filha do Tenente-Coronel português Francisco Tavares de Almeida, administrador de várias das ilhas em diferentes períodos. Um ano depois nascia o primeiro filho, Désiré Paul.

Habita em Santo Antão nos dois primeiros anos da sua vida, onde o pai é encarregado de uma produção de agaves. Ilustre e renomado cidadão francês (decorado com a Legião de Honra), estabelecido em Cabo Verde desde 1907, igualmente Agente Consular, este último encarrega-se da educação do filho. Em paralelo com essa educação dispensada pelo pai, Désiré frequenta a escola primária das cidades da Praia e de Mindelo (Cabo Verde), permitindo-lhe uma integração completa e bem sucedida incluindo a língua portuguesa além do seu uso corrente do francês. O pai continuará a ensinar-lhe até ao ciclo secundário, ensinando-lhe igualmente a levantar os planos de um terreno.

Em 1923, a família instala-se na Pedra de Lume. Jules David torna-se então colaborador da Companhia Salins du Cap-Vert. Désiré tira em seguida um curso de técnico em Mecânica e Eletricidade na Escola Especial dos Trabalhos Públicos e da Indústria de Paris. Por fim, é admitido em 1957 como Membro Titular na União Francesa dos Engenheiros Profissionais e integra a Salins du Cap-Vert primeiro como colaborador e em seguida como Diretor.

Désiré Bonnaffoux toma a Direção da Salins du Cap-Vert, implantada na Pedra de Lume, com 26 anos de idade. Ele ocupará esse posto até à sua aposentação em 1968. A sua carreira foi dedicada em fazer frutificar a produção do sal nesse cantinho perdido do Oceano, tendo sempre como objetivo dar às pessoas sob a sua responsabilidade os meios para enfrentarem as dificuldades da vida, para alimentarem as suas famílias e viverem em paz e harmonia. Durante os 34 anos que passou a dirigir essa Companhia, realizará diferentes trabalhos que marcaram os habitantes da ilha, serviram de exemplo e de trampolim no país e ficam gravados nas memórias da vida dessa época :

  • Construção de um abrigo de embarcações (porto),
  • Construção de lanchas e de um rebocador (Pedra de Lume) para a substituição do antigo rebocador, demolido durante uma forte tempestade,
  • Gestão das entradas dos barcos : chegadas e partidas das mercadorias e dos passageiros,
  • Estudo e fabricação de uma máquina para apanhar sal,
  • Adaptação de barricas para o transporte da água,
  • Construção de uma central elétrica,
  • Implementação de um sistema de orientação para facilitar a aproximação dos navios, em colaboração com o Ministério do Ultramar
  • Fabricação de cisternas para a captação das eventuais águas das chuvas,
  • Criação de um posto sanitário (dispensário) com acesso às consultas médicas e aos tratamentos gratuitos,
  • Criação de uma escola primária na Pedra de Lume,
  • Criação de uma loja sem proveito para a Companhia da Salins,
  • Alojamento dos trabalhadores, dos empregados, do professor, do guarda da Alfândega … à custa da Companhia,
  • Criação de oficinas de reparação (carpintaria, mecânica),
  • Abertura de uma sala de festas e de lazeres e organização das festas (Carnaval, festas do fim do ano, Nossa Senhora de Piedade Santa Padroeira da Pedra de Lume…),
  • Renovação das habitações dos trabalhadores,
  • Restauração e manutenção da igreja, limpeza do cemitério,
  • Implantação de uma moeda local [nomeada « Jetons » (Senhas)] durante a 2a Guerra Mundial para enfrentarem as dificuldades encontradas,
  • Transferência de alimentos em 1940 a bordo do veleiro Ildut, período de grande fome, viagem durante a qual ele se deslocou pessoalmente para garantir o reabastecimento da população, 
  • Construção de um hangar (Trincheira) para abrigar sacos de sal à espera da entrega, 
  • Integração de um posto de Alfândega na Pedra de Lume.

Désiré Bonnaffoux teve 3 filhos de uma primeira união. Casa-se com Maria Rocha Fernandes (1912-1988). Dessa união nasceram 9 filhos dos quais 2 faleceram bebés de doenças infantis. Criou igualmente o filho mais velho da sua esposa. Depois dele o seu filho mais velho, Hector Bonnaffoux, retomou a Direção da Salins du Cap-Vert até Dezembro de 1988 ; a companhia será vendida e deixará a ilha definitivamente no dia 1 de Janeiro de 1999.

Maria Rocha Fernandes

Maria Rocha Fernandes, a esposa de Désiré Bonnaffoux, nasceu na povoação de Pedra de
Lume (Ilha do Sal, Cabo Verde) no ano de 1912. Ali viveu até aos 51 anos de idade, ali se casou, nasceram e criaram os filhos. Ali ajudou a vir ao mundo mais de cem crianças sem mais pretensão do que a satisfação de ajudar a gente do meio humilde de onde vinha e que nunca renegou. Ela foi para o marido além da companheira fiel, carinhosa e dedicada, da mãe afetuosa e paciente, um apoio precioso e insubstituível de todos os instantes na discrição, na compreensão e na fusão total. Eram complementares e olhavam na mesma direção tendo a mesma aspiração de tornar o outro feliz.

Maria Rocha Fernandes, femme de Désiré Bonnaffoux
femme de Désiré Bonnaffoux

​Testemunhos sobre Désiré Bonnaffoux

"Se o Désiré estivesse aqui não me deixaria morrer"

Um empregado da Salins du Cap-Vert adoeceu gravemente. Era um amigo de sempre e um empregado dedicado, que o Désiré estimava e apreciava. O Désiré estava na Europa. A família do doente enviou-o para a Praia para ser tratado na esperança de o salvar, porque na Ilha do Sal não havia hospital nem as condições necessárias para o tratar. Infelizmente, o seu estado piorou. Sentindo que ia morrer, nos seus últimos momentos disse : « Se o Désiré estivesse aqui não me deixaria morrer! » Infelizmente o Désiré não teria podido salvá-lo, mas esta afirmação atesta a confiança ilimitada que a população da Pedra de Lume depositava no Désiré Bonnaffoux, que fazia sempre tudo para proteger os empregados e os trabalhadores da Salins e as famílias deles e resolver os problemas, as preocupações deles.

"O Désiré e a esposa pagaram um operário para terminar os trabalhos"

Uma antiga empregada doméstica, que se tornou uma amiga da família Bonnaffoux, conta que a família dela era modesta e o pai dela não conseguia terminar, por falta de meios, a casa que tinha começado a construir. Num grande gesto de bondade, o Désiré e a esposa Maria pagaram um operário para terminar os trabalhos do telhado que não avançavam. Ela diz que lhes está reconhecida, porque isso lhe permitiu herdar a casa dos pais que se tornou um teto para a própria velhice dela.

"Ficaram surpreendidos e felizes ao ouvirem alguém falar a língua deles"

Um dia, em Paris, dois cabo-verdianos entraram num autocarro. Dirigiram-se ao condutor para obterem uma informação. Como não falavam francês, tinham dificuldade em se fazerem entender. Entre eles, conversavam para encontrar uma solução, porque estavam muito apressados. O Désiré estava nesse autocarro e, ao ouvir falar o crioulo de Cabo Verde, endireitou-se, levantou-se e foi ver se lhes podia ser útil. O Désiré disse-lhes em crioulo « Oh gente de nôs terra, bucês ta pirdide na terra de gente! » (Oh gente da nossa terra, estão perdidos em terra estrangeira!). Ficaram surpreendidos e felizes ao ouvirem alguém falar a língua deles. Explicaram ao Désiré que tinham de ir à Gare du Nord para tomarem um comboio para a Holanda. Tinham perdido muito tempo a procurar e corriam o risco de perder o comboio. O Désiré escreveu-lhes num papel que autocarro tomar e em que paragem descer, aconselhando-lhes que se despachassem para não perderem o comboio. Perguntaram ao Désiré o seu nome para puderem agradecer-lhe. Ele só teve tempo de lhes dizer « Não há que agradecer e não têm tempo. Desejo-vos boa sorte! ». Saíram do autocarro a correr, felizes de terem encontrado um compatriota e de terem resolvido o problema deles.

"Narração encontrada no Internet"

« Uma pequena história que um caboverdiano me contou há algum tempo. Os candidatos à emigração para a França, nos anos sessenta, recebiam pequenas lições de francês com o senhor Désiré Bonnaffoux, que era o patrão das salinas da Pedra de Lume. Esse senhor de origem francesa era muito cultivado e sobretudo de uma incrível bondade, visto que dava essas lições gratuitamente, simplesmente para tornar a chegada desses caboverdianos em França menos complicada. Estamos por volta de 1964 e a França passou para o novo franco, o que fez o Senhor Bonnaffoux. O nosso amigo caboverdiano chegou na Gare de l’Est em Paris e pediu um bilhete de comboio para Thionville. Infelizmente para ele, o ferroviário pouco astuto exprimiu-se em franco antigo. Ele vai recordar por muito tempo do seu bilhete de caminho de ferro. O tipo disse-lhe : « 2500 francos », o que representava na época 13 a 14 meses de salário. Assustado pelo preço do bilhete, o nosso candidato à emigração partiu para a Lorraine a pé, sejam 350 km que percorreu em 30 dias. Ele tinha fome, tinha frio, roubava de vez em quando frutas ou legumes nos jardins. Foi recuperado na Moselle pela comunidade cabo-verdiana, completamente esfomeado, enfraquecido… Aqui, toda a gente ri quando se fala da prova de Paris-Strasbourg a pé, porque toda a gente pensa no nosso amigo que deu prova de desembaraço. »

Artigo de imprensa

Artigo Trait d’Union – Novembro 2002

Quem era Désiré Bonnaffoux ?

De mãe Caboverdiana e pai Francês, Désiré Bonnaffoux nasceu no dia 31 de Outubro de 1908 em Sal-Rei, ilha da Boa Vista, em casa dos avós maternos. Os pais, casados havia um ano, habitavam na ilha de Santo
Antão, mas acharam talvez mais prudente que o primeiro filho viesse ao mundo em casa dos pais da mãe, onde esta e o recém-nascido seriam certamente objeto dos mais afetuosos e atenciosos cuidados. Tinha três meses quando ele e a mãe voltaram para junto do Papá.
Em seguida, a família habitou sucessivamente as ilhas de Santiago – onde nasceram os três outros filhos do casal – São Vicente, Boa Vista e Sal. Désiré Bonnaffoux começou os estudos primários na Praia e terminou-os em São Vicente, disse ele « um único professor tinha a seu cargo mais de oitenta alunos ! Escola inarrável onde os alunos estavam entregues a si próprios ». Passou anos inesquecíveis na Boa Vista, « Descalços, cabelos ao vento, eu e o Francisque (de 3 anos mais novo) com a nossa cadela Phanor, corridas nas dunas à volta da cidade, banhos de mar, jogo da bola ».
Em 1923, acompanhou o pai vindo trabalhar na Salins du Cap-Vert, na ilha do Sal, alguns meses mais tarde os outros membros da família foram para junto deles. Em 1925, ele também entrou na Salins du Cap-Vert como empregado, depois de mais de um ano de estágio de aprendizagem. Seguiu um curso de técnico em mecânica e eletricidade que lhe foi de grande utilidade durante toda a sua atividade profissional.
Em 1930/31, depois de uma estadia de somente alguns meses em Thiès, no Senegal, para o serviço militar, volta para a Salins du Cap-Vert da qual se torna o Diretor no princípio de 1935, tendo o pai dele deixado a salina para ir trabalhar de novo na Boa Vista.

A direção da salina não foi tarefa fácil, a grande crise económica dos anos 20/30, a Segunda Guerra Mundial em seguida e, finalmente, o boycott dos produtos portugueses decretado pela OUA em 1963 que criou sérias dificuldades à salina, que vivia quase exclusivamente das exportações de sal para o continente africano. Assim, toda a sua carreira foi dominada pela constante preocupação de fazer viver e progredir a salina, à custa de esforços longos e penosos, pondo ao serviço da empresa, das pessoas a seu cargo e das suas famílias, no total mais ou menos 400 pessoas, toda a sua boa vontade e o seu dinamismo, com toda a simplicidade e sem nenhum interesse pessoal.
Aposentou-se no dia 31 de Dezembro de 1968, com 60 anos de idade.
Mas a sua passagem para a reforma não foi sinónimo de inatividade.
Retirado primeiro em Lisboa, onde estudavam os filhos mais novos, e em seguida em Sarcelles a partir de 1973, o homem de cultura, que ele era, frequentou assiduamente as principais bibliotecas de Lisboa e de Paris pesquisando documentos antigos sobre as ilhas de Cabo Verde e pôde reunir uma documentação bastante vasta. Mas nunca publicou nada, à parte uma colaboração esporádica com uma ou outra revista caboverdiana.
Faleceu no dia 12 de Dezembro de 2001 com 93 anos e repousa no cimetério de Sarcelles depois de uma vida bem preenchida. 
H.B.
Hector Bonnaffoux
(Artigo da revista « Trait d’Union » de Novembro de 2002, Rubrica
« Libre opinion ► Hommages », pg 23)
Traduzido por Emma Bonnaffoux a 28 de Abril de 2021

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